domingo, 25 de janeiro de 2009

VOCÊ SABE QUEM É KRISHNA?


Assim como o ocidente tem na figura de Jesus aquele que incorporou a consciência do Cristo, os hindus têm em Krishna o seu grande avatar, ou seja, a encarnação da divindade. Assim como Jesus, Krishna foi um homem que viveu aqui na Terra em carne e osso. Mas ele é mais antigo que Jesus, portanto sua história de vida é ainda mais difícil de resgatar.

Dizem que ele viveu na Índia antiga há cinco mil anos, ou seja, três mil anos antes do avatar cristão. E hoje o que temos sobre sua história está envolto num clima muito grande de magia e lenda, por isso não vou me arriscar aqui a tentar traçar sua biografia. A única coisa que posso dizer é que ele não é um deus cósmico (como Shiva, Brahma etc) e sim um homem histórico, apesar de suas representações artísticas lembrarem muito dos outros deuses hindus (bem, pelo menos ele tem sempre dois braços, e nunca quatro ou dez como ocorre com as divindades).

Também é importante dizer que o avatar hindu não é exclusividade ou invenção do movimento chamado de ¿Hare Krishna¿, a igreja cujo nome oficial é ¿Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna¿, ou, na sigla em inglês, ISKCON, fundada no século 20 por um homem chamado Prabhupada. O movimento Hare Krishna é apenas um grupo religioso que tem em Krishna seu mestre, assim como o pessoal da Igreja Universal reverencia Jesus.

Aliás, se fosse arriscar um paralelo, diria que os Hare estão para Krishna assim como os evangélicos estão para Jesus. Mas Jesus não é propriedade de nenhuma igreja, assim como Krishna também não o é. Krishna é do mundo todo. É uma das formas crísticas que veio ao planeta e pode ser admirado por qualquer um que sentir identificação com ele.

Eu sempre tive uma ligação forte com Krishna, seja porque ele se molda bem às minhas fantasias arquetípicas de homem-deus, seja porque a reencarnação existe e eu já fui hindu há pouco tempo, não importa na verdade. Há várias histórias pessoais minhas com Krishna. A começar pelo hospital onde nasci, no bairro do Ipiranga, que, anos depois, se transformou num templo Hare Krishna, que fui visitar ainda na minha pré-adolescência, sem entender direito quem era aquela figura andrógina que tocava flauta.

Até hoje, claro, não sei de verdade quem é Krishna, pois realizar a verdade sobre um avatar é, de fato, se tornar uno com a consciência que ele incorpora, e disso é evidente que estou bem longe. Porém sempre senti amor e doçura ao me aproximar de Krishna, ao cantar mantras que o invocam, ao meditar em sua imagem. Enfim, eu vou com a cara dele e é por isso até que estou escrevendo essas coisas, pra popularizar a figura desse grande homem.

De novo comparando-o com Jesus, Krishna também tem seu evangelho, um livrinho poderoso e muito conhecido em todo mundo (dizem ser ele o segundo depois da bíblia) chamado Bhagavad Gita, que significa ¿Canção do Senhor¿ (Gita=canção, Bhagavad=do Senhor).

É interessante que no Gita, agora diferentemente de Jesus, Krishna fala como se fosse o próprio Deus e não o Filho de Deus, como o nosso avatar cristão. O Gita é na verdade um diálogo entre Krishna e Arjuna, seu amigo e discípulo, e lá o mestre fala com a autoridade de Deus, dizendo que tudo emana dele, tudo volta para ele etc. Ele utiliza uma prerrogativa a que o Cristo, na verdade, tem direito, pois o Cristo e o Pai, como disse Jesus, são na verdade o mesmo.

Vem dessa autoridade divina expressa por Krishna no Gita, creio eu, a falsa idéia de muitos devotos que acham que ele, Krishna, o homem histórico, é Deus. É a mesma confusão dos cristãos que acham que Jesus é o único Filho de Deus. A meu ver, tanto um quanto o outro estavam apenas incorporando a consciência suprema e imortal e não falando em nome de seus egos e corpos. De todo modo, essa é apenas uma interpretação pessoal minha.

Bom, mas voltando ao Gita, é besteira eu tentar descrever aqui o que o livro trás. Digo apenas que é um texto imortal e elevadíssimo, que concentra em poucas páginas todos os segredos do universo ou algo assim. Há muitas traduções do Gita em português, inclusive uma do Rogério Duarte que vem junto com um CD de medalhões da MPB cantando músicas sobre Krishna e sobre o Gita. Não sei dizer qual a melhor tradução, mas acho que qualquer uma delas servirá e muito a quem for sedento de conhecimento espiritual, pois o livro é mesmo um tesouro.

E por falar em MPB, vou terminar esse longo texto colocando um trecho do Bhagavad Gita onde Krishna fala sobre sua natureza divina, o mesmo trecho que inspirou Raul Seixas e Paulo Coelho a escreverem a letra da música ¿Gita¿, do álbum homônimo do Raul (aquela do ¿eu sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar...¿).
Vejam o trecho e percebam como a música veio daí. Com a palavra, o senhor Krishna:

Eu sou o começo, o meio e o fim na criação
Eu sou o conhecimento das coisas espirituais
Eu sou a lógica daqueles que debatem
No alfabeto, Eu sou A
Entre os compostos, o copulativo
Eu sou o Tempo sem fim
Eu sou o Sustentador
Minha face está em todo lugar
Eu sou a morte, que se apodera de tudo
Eu também sou a fonte de tudo que nascerá
Eu sou a Glória, a prosperidade, o belo discurso,
A memória, a inteligência, a firmeza e o perdão
Eu sou Sama dos hinos Védicos
E o Gayatri entre a métrica poética
Dos meses, Eu sou Margashirsha
Das estações, o tempo das flores
Eu sou o jogo de dados do esperto
Eu sou a força do forte
Eu sou o triunfo e a perseverança
Eu sou o Sattwa do bom
Eu sou Krishna entre os Vrishnis
Arjuna entre os Pandavas
Vyasa entre os sábios
Ushanas entre os poetas iluminados
Eu sou o cetro e o domínio daqueles que governam
A diplomacia daqueles que procuram conquistar
Eu sou o silêncio das coisas secretas
Eu sou o conhecimento do conhecedor

Ó, Arjuna, Eu sou a semente divina de tudo que vive. Neste mundo, nada animado ou inanimado existe sem Mim. Não há limite para Minhas divinas manifestações, nem podem elas ser enumeradas, ó, consumidor de inimigos. O que eu te descrevi são apenas algumas de Minhas formas.
Aquilo que neste mundo é poderoso, belo ou glorioso, podes ficar certo de ter vindo de uma fração do Meu poder e glória. Mas que necessidade tens tu, Arjuna, de conhecer essa imensa variedade? Sabes apenas que Eu existo, e que um átomo de Mim mesmo sustenta o universo.


Trecho do capítulo 10 do Bhagavad Gita, traduzido por Prabhavananda/Isherwood, realizado pela Vedanta Society e editado no Brasil pela editora Shakti.

Nenhum comentário: