quinta-feira, 4 de agosto de 2005

A visão do corpo no Hatha Yoga

O Hatha Yoga, ou “Yoga da Força”, é uma forma de Yoga pós-clássico (posterior ao Yoga Clássico do sábio Patañjali), que se desenvolveu sob influência do Vedanta, bem como das idéias do Nathismo, escola de Kaula Tantra, cujo fundador é o lendário sábio Matsyendranatha. Neste método, o foco das práticas passa a ser o corpo, usado como ponto de partida para a investigação das realidades mais sutis e profundas dessa unidade chamada ser humano.
Os aspectos não visíveis do ser humano acima mencionados são o corpo sutil (pranamaya kosha), os centros e canais de energia (chakras e nadis), o potencial psico-espirital (kundalini), os poderes psíquicos (siddhis), a reflexão sobre a verdadeira natureza do Ser (atma) e sua relação com o mundo (jagat).
Até o surgimento desse método de Yoga, que aliás, é até hoje o mais conhecido e popular, a visão que se tinha sobre o corpo humano no mundo da espiritualidade indiana era desabonadora e negativa. O corpo era considerado apenas uma bolha de pele recheada de carne, ossos, secreções e impurezas, fonte do sofrimento, do apego e da dor.
O Hatha rejeitou essa visão desde o início, unificando a visão tântrica do corpo como templo da divindade, com a constatação vedântica de que tudo o que existe na criação é expressão do Ser, que é ao mesmo tempo criador e agente material da criação.
Assim, esse método busca conquistar um estado de perfeição corpórea chamada “corpo adamantino” (vajra deha), ou “corpo divinal” (deva kaya), e combinar essa perfeição física com um aperfeiçoamento similar nas dimensões sutil, emocional, mental e psíquica, para a realização do supremo propósito de todas as formas de Yoga: a libertação da ignorância metafísica (avidya), dos condicionamentos e do ciclo de mortes e renascimentos sucessivos (samsara).
Esse estado de liberdade é chamado moksha em sânscrito. A Shiva Samhita, assim como as demais obras antigas de Hatha Yoga, trata sobre essa investigação.
O período em que o Hatha Yoga surgiu com toda a força coincide com um momento muito especial na evolução da espiritualidade hindu, no qual os adeptos do Tantra apresentaram a uma Índia pasmada e acomodada no ritualismo bramânico uma visão revolucionária e dinâmica do universo e do homem. Para os tântricos o corpo não é mais causa de perdição, mas veículo para a transcendência e a realização da natureza divinal no homem.
O Kularnava Tantra (I:18) deixa isso bem claro:
“Sem o corpo, como realizar o [supremo] objetivo humano? Portanto, depois de adquirir uma morada corpórea, o ser deve realizar ações meritórias (punya)”.
E a Shiva Samhita (II:1-5) reafirma a mesma idéia:
“Neste corpo, o monte Meru [a coluna vertebral] está rodeado por sete ilhas: há rios, mares, campos e senhores dos campos. Há rishis e sábios, e nele estão todas as estrelas e planetas. Há peregrinações sagradas, templos e deidades nos templos. O sol e a lua, agentes da criação e da destruição, movem-se nele. O espaço, o ar, o fogo, a água e a terra também se encontram aqui. Todos os seres que existem no mundo estão igualmente no corpo. Rodeando o monte Meru, fazem suas tarefas. Aquele que sabe disto é um yogi. Não há dúvida sobre isto”.

Pedro Kupfer

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